No calendário de Serena Williams, sábado é o dia da família. E o sábado em que me encontro com ela em Roma tem um significado especial: há exactamente quatro anos, Serena conhecia na Cidade Eterna aquele que é hoje o seu marido, Alexis Ohanian, co-fundador da comunidade online Reddit.
Os dois celebram a ocasião sem grande pompa ou circunstância, com um simples passeio pelo jardim do hotel com o seu rebento, Olympia, de 22 meses. Enfim, é mais romântico do que parece, ou não estivéssemos a falar no jardim de 6 hectares do Rome Cavalieri, que o hotel chama de “parque privado”, decorado com leões e unicórnios de bronze e mármore.
O ambiente sumptuoso é digno de uma lenda do desporto americano, que conta no seu currículo com 23 títulos do Grand Slam e que já deitou por terra inúmeras barreiras e estereótipos. E o que dizer dos unicórnios de Alexis?
Entre a Reddit e o seu fundo milionário Initialized Capital, avaliado em cerca de 445 milhões de euros, pode-se dizer que Alexis tem trilhado o seu caminho.
Serena já fez história nos courts mas, isso não lhe chega. A pouco e pouco, a norte-americana está também a marcar pontos no mundo dos negócios. Recentemente tornou-se na primeira atleta a figurar na lista das mulheres mais ricas do mundo da FORBES, com uma fortuna estimada em cerca de 200 milhões de euros, boa parte dos quais fruto da sua marca e inteligência e não do seu swing.
Nos últimos cinco anos, investiu discretamente em 34 start-ups e, em Abril, criou formalmente o fundo Serena Ventures e anunciou querer financiar e lançar outras empresas.
Nunca os atletas foram tão ricos. Tudo graças à explosão dos direitos televisivos para eventos desportivos ao vivo. No ano passado, os 50 atletas mais bem pagos do mundo facturaram qualquer coisa como 2,3 mil milhões de euros, contra os cerca de 886 milhões de euros registados há 15 anos.
E não se pode dizer que Serena seja a primeira a apostar no filão empresarial – se ficarmos pela NBA, há atletas que lançaram empresas de media, como LeBron James, Stephen Curry e Kevin Durant, e outros que são investidores activos em venture capital (VC), como Andre Iguodala e Carmelo Anthony.
Mas Serena é uma das poucas atletas que decidiu apostar todas as fichas numa única estrela, leia-se, em si própria.
“Quero ser parte do projecto. Quero estar na base. Quero ser a marca em vez de ser apenas o rosto”, realça.
Serena já assumiu diversas vezes o papel de estilista, por isso é natural que o caminho passe pela criação de colecções de roupa, jóias e produtos de beleza. Em todo o caso, vai continuar a competir ao mais alto nível – o regresso aos courts no ano passado, após o parto, transformou-a num ícone cultural que transcende o desporto –, tal como vai continuar a ganhar dinheiro fácil com contratos publicitários.
Só nos últimos 12 meses facturou cerca de 26 milhões de euros, o valor mais elevado da sua carreira.
Poder de uma equipa vencedora
A história de como as irmãs Serena e Venus Williams chegaram ao pódio do ténis é uma história digna de Hollywood: um pai negro com experiência reduzida em ténis ensina as duas filhas nas ruas de Compton, na Califórnia, EUA, a entrar e a dominar um desporto de brancos.
O facto de o pai não deixar que as filhas precoces frequentassem as escolas privadas de ténis nem o circuito de torneios júnior marcou a mais nova, especialmente depois de conquistar o seu primeiro Grand Slam, aos 17 anos.
“Moldou a minha carreira dentro e fora do campo. Ensinou-me a arriscar, a ser diferente, a destacar-me dos outros”, diz Serena sobre a estratégia do pai.
É por essa razão que a Serena Ventures aposta essencialmente em empresas fundadas por mulheres e minorias. É verdade que há um propósito social para essa decisão, mas também o da busca de oportunidades, fugindo a uma lógica de massas.
De acordo com dados públicos, apenas 2,3% do capital de risco investido no ano passado nos EUA foi para start-ups lideradas por mulheres – e mesmo quando se incluem empresas com fundadores do sexo masculino e feminino, esse valor sobe apenas para 10%.
Os números são piores no caso de fundadores negros e hispânicos. Até agora, porém, cerca de 60% dos seus investimentos foram para empresas lideradas por mulheres ou pessoas de cor.
“Haverá melhor maneira de passar a mensagem?”, pergunta Serena.
A única forma de encontrar empresas destas, na sua maioria ainda na chamada fase embrionária (early-stage) é investindo nelas antes de o negócio ganhar forma.
Serena percebeu isso rapidamente depois de investir e perder cerca de 220 mil euros com uma start-up nos anos que antecederam a criação da Serena Ventures.
“Aprendi que não se pode gastar demais, mas também aprendi que adoro investir em capital semente”, diz.
Das 34 empresas apoiadas pela Serena Ventures, mais de três quartos estão na fase embrionária. Ficou viciada, admite.
“É divertido chegar a este nível, mas não perco a cabeça. Não sou o tipo de pessoa que corre riscos. Tenho a clara noção de que a fase semente é aquela em que queremos investir”, confessa.
Dado o risco exponencial envolvido no investimento em start-ups que começam a dar os primeiros passos, Serena criou uma equipa de mentores de Silicon Valley para a aconselhar.
À imagem do trabalho feito por Patrick Mouratoglou e Jill Smoller, o primeiro como treinador e a segunda como gestora dos seus contratos publicitários – no valor de quase um quarto de mil milhões de euros – durante duas décadas. Chris Lyons, da Andreessen Horowitz, amigo e consultor informal, também faz parte desse núcleo duro.
“Serena é mais apaixonada do que 99% das pessoas nesta área. Contacta-me regularmente para saber o que pensamos das empresas em que tenciona investir”, explica.
Sheryl Sandberg, directora de operações do Facebook, é uma amiga de longa data e, tal como Serena, também integra a administração da SurveyMonkey. E é uma das pessoas que gosta de consultar em diversas matérias. Mas há um mentor que se destaca: o homem com quem casou.
“Aprendi muito com Alexis”, realça.
Serena nunca tinha ouvido falar da Reddit quando o casal se conheceu em 2015, e Alexis pouco sabia sobre ténis. A ambição foi a cola que os uniu. “Ela está determinada a ser excelente em tudo que faz”, diz Alexis, cuja fortuna a FORBES estima ascender a mais de 60 milhões de euros.
As empresas de Alexis estão mais focadas na tecnologia – basta pensarmos na Instacart e na Patreon –, mas Serena aprendeu acompanhando de perto os negócios do marido.
E até já houve parcerias: a Initialized e a Serena Ventures co-investiram em algumas, incluindo a Gobble, que faz entregas semanais de kits de jantar, e a Wave, que efectua transferências de dinheiro por telefone para África sem taxas adicionais.
“Diria que somos uma família de negócios mais moderna”, graceja a campeã.
Os investimentos de Serena aumentaram a um ritmo acelerado com a entrada em cena de uma gestora. Alison Rapaport, de 29 anos, terminara um MBA na Harvard Business School após cinco anos no JPMorgan quando conheceu Serena através de Chris Lyons.
Serena sugeriu uma entrevista e propôs a Alison que apresentasse três ideias de investimento, os valores envolvidos e como lá chegara.
Alison fez o trabalho de casa e não descurou a estratégia de comunicação junto da sua potencial nova chefe, que no início da semana postara no Instagram o quanto adorava Taco Sunday.
Alison chegou a casa de Serena, nos arredores de São Francisco, para uma reunião num domingo ao meio-dia, artilhada com ideias de investimento e duas sacolas de tacos, e fez tudo rápida e serenamente.
“Eu sabia que era a pessoa certa”, diz Serena.
Investidora estratégica
Uns dias antes do Open de Itália, Serena foi treinar no Tennis Club Parioli em Roma ao som de uma mistura ecléctica de géneros musicais, que apenas tinham em comum o facto de serem cantados por mulheres poderosas: Rihanna, Adele, Pink.
Quando a notícia se espalhou pelo clube – a tenista mais famosa do mundo estava por ali a bater bolas – o público começou a afluir: “Serena!”, gritava um jovem, enquanto um homem disparava fotos para partilhar nas redes sociais.
Serena é, de longe, a atleta mais famosa dos EUA – digamos que só Tom Brady e Tiger Woods estão ligeiramente à frente em matéria de fama. Mas isso não representa qualquer desvantagem para a sua marca, visto “ela ter uma capacidade de atracção transversal e acima da média, abarcando desde millennials a blue collars e profissionais com elevados rendimentos”, diz Henry Schafer, analista de Q Scores (parâmetros que medem a popularidade de uma celebridade).
Ao fim de 20 anos sob os holofotes, Serena sabe bem como lidar com o poder que a fama lhe dá. No final de duas horas de treino, não se furtou a autógrafos e selfies. Mas, mais importante, foi ter descoberto como tirar partido da fama na Serena Ventures.
No decorrer da última década, o mercado assistiu ao surgimento do “investidor-celebridade” em VC, na senda do sucesso de figuras como o actor Ashton Kutcher e o músico Nas, que criaram os seus próprios fundos de VC.
As recentes ofertas de compra sobre a Uber e a Lyft incluíram dezenas de músicos e celebridades de Hollywood, como Gwyneth Paltrow, Jay-Z e Olivia Munn, que apostaram em projectos ainda numa fase muito inicial e facturaram com o negócio. Alexis mostra-se céptico em relação a esta tendência.
“Normalmente, o conselho que dou a quem está a pensar criar um fundo é: ‘não aceitem dinheiro de celebridades’. A única excepção é quando realmente acrescentam valor porque, na maior parte dos casos, não estão familiarizados com este universo e se a ideia for apenas alimentar o ego, então é uma má ideia.”
Serena tenta aplicar dinheiro em negócios onde a sua fama, marca e plataforma possam crescer. Sendo uma das celebrity endorsers mais bem-sucedidas deste século, esta é uma arte que Serena aperfeiçoou de uma forma que a maioria dos músicos e actores nunca conseguiu fazer.
Tem quase 30 milhões de seguidores nas redes sociais e os posts em que usou algum artigo com o logótipo da Nike, por exemplo, geraram mais de 1,7 milhões de euros em valor promocional para a marca nos últimos 12 meses, segundo a Hookit, que acompanha a influência de celebridades nas redes sociais.
“Serena é um caso único, uma voz poderosa que chega a um público global que vai muito além do ténis”, realça Scott Tilton, presidente-executivo da Hookit.
E essa voz é amplificada exponencialmente quando se trata, não de uma Nike, mas de uma marca que ainda está numa fase embrionária. Exemplos? Tão simples como Serena partilhar uns vídeos no Instagram com a sua comitiva a saborear uma refeição Daily Harvest, antes de subir ao palco na qualidade de anfitriã do Met Gala.
Ou a colaboração com a Neighborhood Goods, que introduziu o conceito pop-up no retalho, no âmbito da sua linha de roupa. “Poder usar a plataforma de Serena para falar sobre a nossa missão foi o maior apoio que tivemos, além do capital que investiu em nós”, diz Georgina Gooley, co-fundadora da Billie, uma marca de lâminas femininas.
A app de encontros e networking Bumble adicionou Serena como endorser em 2019, incluindo um anúncio do Super Bowl. Daqui nasceu uma parceria para organizar um pitch para mulheres executivas.
O Bumble Fund Summit teve lugar em Abril e do portefólio da Serena Ventures saíram a start-up de refeições Daily Harvest, o espaço de co-working centrado em mulheres The Wing, e a marca de tampões orgânicos Lola.
“No fundo, Serena está a criar um espaço onde as pessoas podem criar ligar ligações, redes entre si”, diz Jordana Kier, fundadora da Lola.
Esse tipo de poder traz outro benefício: fluxo de negócios. No caso das operações mais maduras, as empresas de VC tradicionais precisam de adquirir grandes participações para obterem bons retornos.
Serena, no entanto, fica satisfeita por acompanhar os projectos e seguir em frente. “As empresas sabem que Serena é uma investidora estratégica extremamente valiosa, e ela pode escolher entre as principais empresas de VC que considere mais interessantes à medida que estas forem surgindo no seu caminho. Ao mesmo tempo, tem a possibilidade de gerir o seu próprio fluxo de negócios com pessoas que querem que ela invista.”
Uma nova aventura
Os investimentos realizados em early stage apresentam elevadas taxas de insucesso. Porém, exigem também montantes mais reduzidos, face a fases mais avançadas.
No caso de Serena, dos 34 cheques que passou como investidora, perdeu apenas 5,3 milhões de euros. Tendo presente o seu património líquido, não só o risco é baixo como os retornos têm sido promissores.
Dados da Serena Ventures mostram que o portefólio valorizou cerca de 9 milhões de euros e duplicou o investimento inicial. Quase metade das empresas já fez rondas de VC desde que Serena investiu, e a Serena Ventures parece estar preparada para ensaiar o seu primeiro exit, na sequência do anúncio da Unilever, que diz ter planos para comprar a Olly Nutrition.
Além disso, cinco dos seus investimentos já quintuplicaram o seu valor, com particular destaque para a Billie, Daily Harvest, MasterClass e The Wing.
Mas Serena Williams não seria uma das maiores atletas de todos os tempos se não investisse em si mesma. Apesar de ser conhecida como um ícone da moda, só recebe dinheiro através de outras plataformas, via contratos publicitários ou parcerias.
Mais recentemente isso mudou. Smoller, gestora da sua marca há 20 anos, recorda uma reunião com a Nike.
“Estava a explicar uma coisa e, de repente, Serena interrompeu-me e começou a fazer uma série de perguntas sobre os seus canais de distribuição, KPIs e estratégias de crescimento. Olhei em volta e vi as expressões dos presentes… Ela está numa fase em que quer perceber o processo e os métodos, e acho que muitas pessoas não estão à espera que ela tenha esse comportamento.”
Em Maio do ano passado nasceu a primeira colecção de roupa em nome próprio, “S by Serena”.
“Primeiro tinha ficado à espera que aparecesse alguém para financiar uma empresa para desenhar roupa, mas depois percebi que não era esse o caminho. Tinha era de investir em mim”, explica Serena.
A linha inclui vestidos, blusões, tops e muitos outros artigos, a maior parte dos quais com preços inferiores a 180 euros. Serena está entusiasmada com o desfile que está a preparar para a Semana da Moda de Nova Iorque, em Setembro.
A linha ganhou élan em Outubro passado, quando Meghan Markle, grande amiga de Serena, foi “apanhada” a usar o blazer Boss da colecção, que rapidamente esgotou no site. Serena retribuiu o favor oferecendo um baby shower à duquesa de Sussex em Fevereiro, e tenciona ainda lançar uma linha de jóias “S by Serena” este ano e uma linha de produtos de beleza em 2020.
Com tantos afazeres, a sua vida nos campos de ténis vai centrar-se nos principais eventos do Grand Slam. Enquanto veterana da modalidade, aos 37 anos, acredita que ainda terá dois ou talvez três anos pela frente na alta competição.
“Não tenho pressa em deixar o ténis”, diz.
Verdade ou não, uma coisa é certa: com a Serena Ventures criou as bases para continuar a jogar até ao fim da vida. “Quero criar uma marca com longevidade, à imagem da minha carreira”, diz ela.
Serena marcou o ténis para sempre e agora quer também fazer história no mundo dos negócios. “Não é chique, nem está na berra, tem o seu quê de intemporal porque é simples e básica, tal como o meu estilo de jogo”.